A Política da Encarnação

Por Cacau Marques

Em sua epístola aos filipenses, o apóstolo Paulo brinda a humanidade com uma das mais profundas afirmações sobre a vinda de Cristo ao mundo: “[Cristo Jesus] embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se, mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens”. O propósito dessa mensagem, porém, não é nos contar o que acontecia no céu antes de Jesus descer. O objetivo de Paulo está evidente no início do parágrafo quando afirma: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus”.

O esvaziar-se é uma ordem dada a nós nesse texto. Obedecê-la é seguir o modelo de Cristo. Mas o texto parece confuso. Eu não sou Deus para não julgar que devo ser igual a Ele. Também não preciso tornar-me semelhante aos homens, já que sou homem. Como uma afirmação cristológica tão essencial se aplica à minha vida? A resposta para isso aparece um pouco antes ainda, no versículo 4: “Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.”

Aqui encontramos o princípio mestre da atuação da Igreja no mundo. Cada crente deve cuidar dos interesses dos outros, porque foi isso que Jesus Cristo fez. A Igreja não vive para si, não busca o enriquecimento material, o poder temporal ou o crescimento numérico. Ela busca o interesse dos outros, o cuidado com o bem estar do outro. Mesmo que não tenha ouro nem prata, ela oferece o próprio Cristo, pois é o que tem de melhor.

Assim, toda atuação da Igreja no mundo deve ser vista por essa ótica, por seguir o kenosis (esvaziamento) de Cristo por amor do outro. Essa é a razão pela qual o crente não pode se furtar a participar da busca por justiça social, ética política, pacificação urbana. Sua postura não pode ser egoísta, enchendo-se das promessas celestiais, apegando-se ao direito que temos de estar com Deus após a vida. A ética da encarnação cobra que eu, enquanto corpo de Cristo, me esvazie disso pelo bem do interesse do outro.

Mas a ética da encarnação ainda nos propõe outra verdade. É que o Verbo encarnado tomou forma humana, mas manteve a expressão da glória de unigênito do Deus Pai, como escreveu o apóstolo João. Da mesma forma, a atuação da Igreja no mundo deve expressar sua filiação em relação a Deus. Ela não atua no mundo pelos mesmos métodos dos partidos políticos, das ONGs, ou de um grupo de guerrilheiros. Ela deve carregar o padrão divino de atuação, mantendo seu compromisso com o amor e com a verdade.

Assim, a Igreja não deve apelar para as mentiras eleitoreiras, acusações levianas, ou demonização de políticos. Não deve comprar favores com bênçãos ou extorqui-los com ameaças escatológicas. Não pode impor sua vontade pela força, nem condenar a liberdade de expressão. Antes, ela deve voltar-se para as vozes dos que não são ouvidos, uma vez que Deus as ouve todos os dias.

Que tenhamos a atitude de Igreja de Cristo, que sendo herdeira de Deus não pensa que o morar com Deus seja algo a que deve apegar-se, antes, esvazia-se dos interesses individuais vindo a ser serva. E todos verão a sua Glória, Glória como dos filhos de Deus.

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